Exoneração do Passivo Restante

A exoneração do passivo restante é um dos mecanismos mais relevantes na legislação portuguesa para quem enfrenta um Processo de Insolvência pessoal. Na prática, permite que, após a liquidação dos bens e o cumprimento de certas obrigações durante um PERíodo determinado (geralmente de 3 a 5 anos), o devedor fique “livre” das dívidas remanescentes que não conseguiu saldar integralmente. Trata-se, portanto, de uma segunda oportunidade para retomar a vida financeira sem o peso de débitos impossíveis de pagar. Abaixo, encontra um guia completo que explica este conceito, como funciona, quem se pode candidatar e quais as vantagens e riscos associados.

Exoneração do Passivo Restante

1. Conceito e Legislação Aplicável

A exoneração do passivo restante surgiu com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que estabeleceu uma moldura legal para que as pessoas singulares (não apenas empresas) pudessem encontrar uma solução definitiva para situações de sobre-endividamento. A lei baseia-se no princípio de que a insolvência não deve condenar o devedor para sempre, desde que haja boa-fé e colaboração com as instâncias judiciais.

Pontos chave na lei:

  • A possibilidade de exoneração aplica-se a processos de insolvência pessoal.
  • O devedor deve demonstrar transparência, colaborar com o tribunal e o Administrador de Insolvência (ou Fiduciário) e não ocultar rendimentos.
  • Se for concedida, a exoneração “perdoa” todas as dívidas que não tenham sido liquidadas no processo, libertando o devedor para um novo começo financeiro.

1.1. Objetivo Principal

O principal objetivo é equilibrar direitos:

  • Do lado do devedor: Proteger a dignidade e viabilizar que, cumprido um PERíodo de sacrifício, a pessoa possa recomeçar sem dívidas que ultrapassem a sua capacidade de pagamento.
  • Do lado dos credores: Garantir que existe um esforço real de pagamento ou liquidação de bens, evitando que o devedor simplesmente “fuja” das obrigações.

1.2. Evolução Histórica

Em Portugal, historicamente, a insolvência pessoal não era tão comum quanto a empresarial. Apenas após a introdução e posterior revisão do CIRE é que se abriu mais espaço para a exoneração do passivo restante em benefício de particulares. Esta evolução legislativa acompanhou a tendência de vários países europeus, que já reconheciam a necessidade de conceder um “fresh start” a indivíduos de boa-fé que se viram numa situação financeira insustentável.


2. Quem Pode Solicitar a Exoneração

Qualquer pessoa singular em situação de insolvência pode requerer a exoneração do passivo restante, mas o sucesso do pedido depende de várias condições. A lei pretende, acima de tudo, premiar a boa-fé e a cooperação do insolvente.

2.1. Requisitos de Boa-Fé

Para o tribunal conceder a exoneração, o devedor deve ter um comportamento irrepreensível ao longo do processo. Exemplos de requisitos:

  • Não ter agido com negligência grave ou má-fé na formação das dívidas (por exemplo, contrair sucessivos empréstimos com intenção de não pagar).
  • Não ter ocultado bens durante o Processo de Insolvência.
  • Não ter cometido crimes de natureza económico-financeira que o impeçam de recorrer a este mecanismo.

2.2. Histórico de Insolvências Anteriores

Se o devedor já teve outra insolvência pessoal com exoneração do passivo restante nos últimos 10 anos, é provável que o tribunal recuse o novo pedido. A lei é mais rigorosa com indivíduos que repetem o Processo de Insolvência num intervalo curto de tempo, pois entende-se que houve anteriormente um “perdão” de dívidas e se espera que a pessoa aprenda a gerir melhor as finanças nesse PERíodo.

2.3. Situação Familiar e Regime de Bens

É comum que dívidas estejam ligadas ao casal, especialmente se vivem sob comunhão de bens. Se ambos os cônjuges estiverem insolventes, podem pedir a exoneração em conjunto. Já no Regime de Separação de Bens, cada qual é responsável pelos respetivos débitos — mas é preciso cuidado com dívidas solidárias (por exemplo, créditos à habitação subscritos pelos dois).


3. Antes da Exoneração: O Processo de Insolvência

A exoneração do passivo restante não surge isolada; faz parte do Processo de Insolvência. A seguir, um resumo das fases que precedem o momento em que, no final, o devedor pode candidatar-se à exoneração.

3.1. Declaração de Insolvência

O devedor (ou até um credor) pode pedir em tribunal a declaração de insolvência, demonstrando que não consegue satisfazer as obrigações correntes. Após análise dos autos, se o juiz considera que a pessoa se encontra em estado de insolvência, declara-o formalmente. Esse momento marca o arranque de todo o procedimento.

3.2. Formação da Massa Insolvente

Forma-se então a Massa Insolvente, que agrupa todos os bens e rendimentos do devedor suscetíveis de penhora ou liquidação. Bens Impenhoráveis, como mobiliário essencial ou instrumentos de trabalho de reduzido valor, costumam ficar de fora. A finalidade é vender o que for possível para abater parte das dívidas aos credores.

3.3. Plano de Pagamentos ou Liquidação

Se houver acordo entre devedor e credores, o tribunal pode aprovar um Plano de Pagamentos extrajudicial ou judicial. Caso não exista acordo, procede-se à liquidação dos bens (carros, imóveis, etc.). Findo este processo de venda, o que sobra em dívidas é a “parte não satisfeita” — e é sobre essa fatia que pode incidir a exoneração.


4. PERíodo de Cessão: O Caminho até à Exoneração

Após a liquidação, inicia-se um PERíodo (chamado PERíodo de cessão) em que o devedor entrega parte dos seus rendimentos ao Fiduciário, que os encaminha aos credores. Normalmente, dura 3 a 5 anos, dependendo das circunstâncias fixadas na sentença.

4.1. Papel do Fiduciário

O tribunal nomeia um Fiduciário para acompanhar o devedor. Compete a este profissional:

  • Receber a quantia cedida mensalmente (acima do mínimo de subsistência).
  • Verificar se o devedor está a colaborar e a declarar todos os rendimentos (ordenado, prémios, heranças, etc.).
  • Prestar contas ao tribunal sobre qualquer irregularidade detetada.

4.2. Obrigações do Devedor

Para não perder o direito à exoneração:

  • Não pode recusar ofertas de trabalho adequadas.
  • Deve manter o tribunal/Fiduciário informado sobre alterações de rendimento ou de residência.
  • Tem de evitar endividar-se novamente sem motivos sólidos, pois isso pode ser visto como má-fé.

4.3. Quanto Tempo Demora?

É comum perguntar “quanto tempo demora uma insolvência pessoal?” e, sobretudo, “quando ocorre a exoneração do passivo restante?”. Se tudo correr bem, o PERíodo de cessão encerra entre o 3º e o 5º ano, consoante a sentença. Ao final desse prazo, o juiz decide se concede a exoneração definitiva.


5. Concessão da Exoneração do Passivo Restante

No final do PERíodo de cessão, e caso o devedor tenha cumprido as condições, o tribunal pode declarar extintas as dívidas que ainda permaneçam pendentes. Aí reside o grande benefício: o devedor deixa de ser perseguido judicialmente por créditos que superam a sua capacidade de pagamento.

5.1. Efeitos Imediatos

Assim que a exoneração é decretada:

  • Cessam quaisquer execuções ou Penhoras relacionadas com dívidas abrangidas.
  • O devedor fica livre para recuperar a vida financeira, sem ter de pagar o que faltava.
  • O credor não pode voltar a exigir judicialmente esse valor.

5.2. Dívidas Excluídas

É importante notar que algumas dívidas podem ficar fora da exoneração do passivo restante, por exemplo:

  • Dívidas alimentares (Pensão de Alimentos).
  • Eventuais coimas ou sanções penais.
  • Dívidas por fraude ou má-fé declarada.

O devedor precisa de verificar se a totalidade dos seus débitos entra ou não no processo.


6. Vantagens e Riscos Associados

6.1. Vantagens

  1. Recomeço Financeiro
    O devedor deixa de carregar um passivo impagável, podendo refazer a vida económica.
  2. Proteção Legal
    Ao longo do processo, a lei impede execuções abusivas ou cobranças fora do âmbito judicial.
  3. Negociação Mais Transparente
    Com acompanhamento do tribunal, o devedor ganha tempo e, em alguns casos, consegue acordos de pagamento ajustados à sua realidade.

6.2. Riscos e Limitações

  1. Histórico de Crédito Afetado
    O devedor pode ter dificuldades para obter empréstimos ou cartões de crédito no futuro.
  2. Perda de Bens
    No início do processo, bens valiosos podem ser liquidados para pagar credores.
  3. Possibilidade de Recusa
    Se o tribunal detetar má-fé ou incumprimento de deveres (por exemplo, esconder rendimentos), a exoneração é negada.

7. Exoneração do Passivo Restante e Dívidas Específicas

7.1. Dívidas às Finanças

As dívidas fiscais têm estatuto privilegiado: o Estado aparece no topo da lista de credores. Em muitos casos, parte das Dívidas às Finanças continua a exigir pagamento, especialmente se envolver coimas e penalizações. No entanto, se forem dívidas fiscais “comuns”, elas podem ser cobertas pela exoneração, desde que não haja exclusão expressa na lei ou no processo.

7.2. Créditos Hipotecários

Se a casa do devedor estiver hipotecada, é frequente que ela seja vendida na liquidação. Caso a venda não cubra o total da dívida, o remanescente pode entrar na exoneração, “apertando” o limite de o banco exigir mais. No entanto, é imprescindível avaliar a viabilidade de negociar antes de perder o imóvel.

7.3. Pensão de Alimentos

Ao contrário de outras dívidas, a Pensão de Alimentos não se extingue com a exoneração. O devedor continua obrigado a pagá-la, pois a lei protege o credor de alimentos (filhos, ex-cônjuges em determinadas condições, etc.).


8. Exoneração e Revogação: Quando Pode Ser Anulada

Obter a exoneração não é garantia de mantê-la para sempre. A lei prevê cenários em que, após concedida, pode ser revogada:

  • Se o devedor for condenado por infrações relacionadas com o processo.
  • Se for descoberto que omitiu bens ou ocultou rendimentos relevantes.
  • Se contrair dívidas vultuosas sem justificação ao longo do PERíodo de cessão.

Nesse caso, as dívidas perdoadas “voltariam” a ser exigíveis, deixando o insolvente novamente numa posição de débito.


9. Alternativas: PERSI, PEAP e PER

A exoneração acontece tipicamente após se confirmar a inviabilidade de outras soluções. Antes de chegar à declaração de insolvência, existem mecanismos:

Se estes processos falharem ou se o devedor preferir avançar diretamente para a insolvência, a exoneração do passivo restante pode revelar-se a derradeira solução.


10. Dúvidas Frequentes

1. E se eu receber uma herança durante o PERíodo de cessão?
Deve comunicar ao Fiduciário. Parte ou mesmo a totalidade poderá reverter para pagamento das dívidas em aberto, pois conta como rendimento extra.

2. O que acontece se eu mudar de emprego e ganhar mais?
Também deve comunicar ao tribunal/Fiduciário. A cessão de rendimentos ajusta-se, aumentando o valor entregue aos credores.

3. Posso viajar para fora do país?
Não há proibição legal absoluta de viajar. No entanto, se tal implicar esconder rendimentos ou dificultar o controlo por parte do Fiduciário, pode haver consequências no processo.

4. Quanto tempo fico “marcado” após a exoneração?
Os registos de insolvência pessoal permanecem visíveis por vários anos nas bases de dados de crédito, o que pode dificultar financiamentos futuros. Mas, legalmente, após concedida a exoneração, já não tem dívidas pendentes abrangidas pelo processo.


11. Passo a Passo Resumido para Conseguir a Exoneração

  1. Pedir a Insolvência: Apresentar a petição inicial em tribunal, justificando incapacidade de pagamento.
  2. Liquidação de Bens: O tribunal forma a Massa Insolvente e procede à venda dos ativos.
  3. PERíodo de Cessão: Durante 3 a 5 anos, parte dos rendimentos é entregue ao Fiduciário.
  4. Avaliação Final: O Fiduciário apresenta relatório, validando se o devedor cumpriu as obrigações.
  5. Decisão do Tribunal: Se tudo estiver em ordem, concede a exoneração do passivo restante, libertando o devedor das dívidas remanescentes.

12. Conclusão

A exoneração do passivo restante é uma solução determinante para quem, de boa-fé, vê as dívidas ultrapassarem qualquer possibilidade de pagamento. Embora o Processo de Insolvência seja exigente — envolvendo liquidação de bens, suspensão de créditos e um PERíodo de forte vigilância — o “prémio” final pode ser a libertação total de dívidas que não foi possível satisfazer.

Nem todas as dívidas são abrangidas (Pensão de Alimentos, por exemplo, mantém-se), e há riscos como a dificuldade de acesso a crédito no futuro. Ainda assim, para muitas pessoas, representa a derradeira forma de resolver problemas financeiros crónicos, abrindo espaço para um recomeço genuíno.

Em caso de dúvida, recomenda-se a consulta de um advogado ou associação de defesa do consumidor (como a DECO) para se informar sobre os passos concretos. O mais importante é agir de forma transparente e cooperar em cada etapa, pois a concessão da exoneração depende da confiança que o tribunal deposita na lisura do devedor.

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