A penhora de vencimento é uma medida legal que permite aos credores reaver parte do salário do devedor para pagamento de dívidas em atraso. Trata-se de um processo comum em situações de incumprimento financeiro ou de insolvência, e está fortemente regulamentado em Portugal para garantir tanto o direito dos credores quanto a proteção mínima de subsistência do trabalhador.

1. Conceito e Enquadramento Legal
1.1. O que é a Penhora de Vencimento?
A penhora de vencimento consiste na retenção de uma parte do salário (ou de outras remunerações semelhantes, como pensões ou subsídios) diretamente na fonte de pagamento — geralmente pela entidade empregadora. Esse valor retido é canalizado para liquidar dívidas reconhecidas judicialmente.
Fundamento Jurídico
A figura legal surge do Código de Processo Civil, que define a forma e os limites da penhora aplicada sobre salários e subsídios. Também existe articulação com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), principalmente quando se trata de devedores insolventes.
1.2. Objetivos
- Garantir o Pagamento das Dívidas: O credor obtém uma ferramenta eficaz para receber valores devidos sem depender apenas da boa vontade do devedor.
- Proteger a Dignidade do Devedor: Há limites (mínimo existencial) para que o trabalhador mantenha uma parcela do salário suficiente para as despesas básicas.
2. Quando Pode Haver Penhora de Vencimento?
2.1. Execução de Dívidas
A penhora de vencimento ocorre, em regra, após o credor intentar um processo de execução para cobrança de dívida. O tribunal, ao verificar que o devedor não pagou voluntariamente, pode autorizar a penhora de parte do ordenado.
Tipos de Dívidas
- Empréstimos bancários (cartão de crédito, crédito habitação, etc.).
- Dívidas fiscais ou à Segurança Social.
- Indemnizações decorrentes de ações judiciais.
- Obrigações derivadas de contratos privados, desde que reconhecidas em título executivo.
2.2. Processo de Insolvência
No contexto do Processo de Insolvência, podem ser aplicadas Penhoras de vencimento sob a coordenação do Administrador de Insolvência (ou Fiduciário, se houver pedido de exoneração do passivo restante). O objetivo é satisfazer, ainda que parcialmente, os créditos reclamados e reconhecidos pelo tribunal.
3. Limites Legais de Penhora
3.1. Mínimo Existencial
A lei portuguesa estipula que uma pessoa tem direito a manter um mínimo para sua subsistência e da sua família. Assim, a penhora de vencimento não pode ultrapassar um certo limite, de forma que o devedor não fique sem condições de vida básicas.
Percentual Geral
Regra geral, não é penhorável o valor correspondente ao salário mínimo nacional (SMN), podendo ser penhorada apenas a quantia que exceda esse mínimo. O Código de Processo Civil (art. 738.º) contém as diretrizes concretas.
Exemplo simplificado:
- Se alguém ganha 900€ mensais e o SMN vigente é 760€, apenas 140€ podem estar sujeitos a penhora, respeitando ainda outros limites percentuais.
3.2. Exceções e Bens Absolutamente Impenhoráveis
Certos rendimentos como subsídios de deficiência, rendimentos por acidente de trabalho, ou pensões de alimentos direcionadas a filhos podem ter regras especiais. A lei lista bens e valores “absolutamente impenhoráveis”, visando a salvaguarda de necessidades essenciais.
3.3. Variáveis: Estado Civil e Cargas Familiares
O tribunal pode ajustar a penhora atendendo à realidade do devedor, por exemplo se este tem vários dependentes ou se o cônjuge também se encontra desempregado. O princípio da proporcionalidade evita que a penhora agrave ainda mais a situação familiar.
4. Processo Prático de Penhora de Vencimento
4.1. Instrução no Tribunal
- Credor Requer a Execução: Apresenta ao tribunal um título executivo (sentença, contrato reconhecido, etc.).
- Citação do Devedor: O devedor é notificado para efetuar o pagamento ou nomear bens à penhora.
- Despacho Judicial: Se não houver pagamento, o juiz pode determinar a penhora do vencimento.
4.2. Notificação à Entidade Empregadora
Uma vez definida a penhora, o tribunal notifica a entidade patronal, informando o montante exato ou a percentagem a reter mensalmente. O empregador passa então a descontar essa parte do ordenado e a depositá-la numa conta indicada pelo tribunal ou pelos credores.
4.3. Alterações de Emprego ou Rendimento
O devedor deve informar o tribunal caso mude de emprego ou veja o seu ordenado alterado, pois tal afeta os valores a reter. A omissão de tais informações pode configurar má-fé e gerar complicações adicionais, incluindo sanções.
5. Penhora de Vencimento em Dívidas Específicas
5.1. Dívidas às Finanças e Segurança Social
A Autoridade Tributária e a Segurança Social têm poderes reforçados para penhorar rendimentos quando há impostos ou contribuições em falta. O processo é geralmente mais célere, com menor intervenção judicial, podendo bloquear reembolsos de IRS, por exemplo. No entanto, o mínimo existencial também deve ser observado.
5.2. Pensão de Alimentos
Obrigação de alimentos não se extingue em caso de insolvência pessoal. A penhora de vencimento pode incidir para garantir pagamento de pensões de alimentos em atraso. Este tipo de dívida goza de prioridade e tem tratamento diferenciado.
5.3. Créditos Bancários
Quando o assunto é incumprimento bancário, muitas instituições preferem inicialmente renegociar, evitando processos morosos. Se não houver acordo, podem avançar com execução e obter penhora de vencimento. Por vezes, a pessoa recorre a mecanismos como o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) para evitar este desfecho.
6. Situações de Acumulação de Penhoras
6.1. Penhoras Múltiplas
É possível que um devedor tenha várias execuções pendentes, cada uma requerendo penhora de vencimento. Nesse caso, existe um limite agregado: a soma das Penhoras não pode ultrapassar a percentagem máxima definida em lei, de modo a respeitar o mínimo essencial do devedor.
6.2. Prioridade de Pagamento
Alguns créditos têm prioridade legal sobre outros (por exemplo, dívidas por alimentos). Quando há acumulação de credores, o tribunal estabelece a ordem de satisfação, rateando o valor penhorado consoante a natureza e antiguidade dos créditos.
7. Como Contestar ou Suspender a Penhora
7.1. Oposição à Execução
O devedor pode apresentar oposição à execução se considerar que a dívida não é legítima, que o valor exigido está errado ou que houve prescrição. É crucial reunir provas e argumentos sólidos, pois o juiz analisará se a penhora deve ser suspensa ou alterada.
7.2. Revisão dos Valores Retidos
Se a penhora ultrapassar os limites legais ou não respeitar a capacidade de sobrevivência do devedor, este pode requerer ao tribunal uma revisão. Também se pode pedir redução caso surjam imprevistos (doença, perda de rendimentos) que tornem a retenção insustentável.
7.3. Acordo Extrajudicial
Mesmo após o início da penhora, ainda é possível tentar um acordo com o credor para suspender ou ajustar a retenção, desde que o credor concorde e o tribunal valide o novo entendimento, se for caso disso.
8. Penhora de Vencimento e Insolvência Pessoal
8.1. Relação com o Administrador de Insolvência
No Processo de Insolvência, o administrador ou Fiduciário pode determinar a penhora de parte do salário, canalizando-a para satisfazer os credores de forma mais equitativa. Neste cenário, a gestão de rendimentos passa a ser centralizada na Massa Insolvente, e o devedor é obrigado a declarar quaisquer mudanças de emprego ou de salário.
8.2. Exoneração do Passivo Restante
Quando o devedor quer obter a Exoneração do Passivo Restante, parte dos seus rendimentos pode ser retida durante 3 a 5 anos, compondo um “plano” de pagamentos aos credores. Se ao final desse PERíodo o devedor tiver cumprido todas as obrigações, as dívidas remanescentes podem ser perdoadas.
9. Perguntas Frequentes (FAQ)
1. Quanto do meu salário pode ser penhorado?
Depende do valor do vencimento e do salário mínimo em vigor. Geralmente, não se pode penhorar o montante equivalente ao SMN, mas tudo o que exceder esse patamar pode ficar sujeito à penhora, respeitando percentuais máximos.
2. Pode haver penhora de subsídios de férias e Natal?
Sim, subsídios e outras remunerações complementares costumam ser equiparados a salário, podendo ser retidos, desde que se obedeçam aos limites impostos pela lei.
3. O empregador pode recusar cumprir a penhora?
Não. Uma vez notificado pelo tribunal, o empregador é legalmente obrigado a reter a parte do vencimento indicada e a depositá-la na conta de execução. Caso não cumpra, pode ser responsabilizado.
4. Pode-se penhorar o rendimento de um trabalhador independente?
Sim, embora o procedimento seja diferente. Em vez de penhorar o vencimento fixo, o tribunal pode determinar a retenção de parte dos valores recebidos pelos serviços prestados, tendo em conta a média mensal.
5. O que acontece se mudar de emprego?
É fundamental informar o tribunal (ou o credor, se for o caso). A omissão pode ser interpretada como tentativa de fuga à execução. O novo empregador também será notificado para reter o montante definido.
10. Dicas para Gerir a Penhora de Vencimento
- Verificar os Limites: Se suspeita de irregularidades (percentagens excessivas ou falta de respeito pelo salário mínimo), procure aconselhamento legal.
- Negociar Prazos de Pagamento: Em vez de uma penhora rígida, pode propor um acordo amigável com o credor para prestações que se encaixem melhor no orçamento.
- Manter Controlo Financeiro: Ao saber que parte do salário será retida, faça um planeamento das despesas essenciais para evitar acumular novas dívidas.
- Consultar Especialistas: Associações de defesa do consumidor (ex. Deco Proteste) ou advogados podem esclarecer dúvidas e orientar na defesa de direitos.