Fiduciário

O fiduciário desempenha um papel crucial em certos processos de insolvência em Portugal, especialmente na fase em que o devedor pretende obter a exoneração do passivo restante. Ainda que menos falado do que o Administrador de Insolvência, o fiduciário é responsável por fiscalizar a conduta do insolvente ao longo do PERíodo de cessão, certificando-se de que este cumpre as obrigações legais e não oculta rendimentos. A seguir, estão descritos os principais conceitos, atribuições e implicações práticas do trabalho do fiduciário na legislação portuguesa.


1. Conceito e Papel do Fiduciário na Insolvência

1.1. Origem Legal

O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevê que, quando um devedor pede a Exoneração do Passivo Restante, seja nomeado um fiduciário para acompanhar o cumprimento das obrigações durante o PERíodo de cessão (habitualmente entre 3 a 5 anos). Este profissional age como um “supervisor independente”, garantindo transparência e boa-fé por parte de quem quer ver perdoadas as dívidas remanescentes.

1.2. Relação com o Administrador de Insolvência

Embora por vezes a mesma pessoa exerça cumulativamente as funções de Administrador de Insolvência e de fiduciário, são cargos com finalidades distintas:

  • Administrador de Insolvência: Responsável pela liquidação dos bens e pela verificação dos créditos durante a fase principal do processo.
  • Fiduciário: Atua sobretudo após a liquidação, verificando rendimentos e despesas do devedor durante o PERíodo de cessão, ou seja, enquanto se aguarda a possível exoneração das dívidas restantes.

Quando o devedor cumpre todas as condições impostas, o juiz pode declarar a exoneração final. Se o fiduciário detetar irregularidades ou infrações, pode pedir ao tribunal que revogue o benefício e reabra as execuções contra o insolvente.


2. Nomeação e Substituição do Fiduciário

2.1. Quem Pode Ser Fiduciário

Em geral, podem exercer a função de fiduciário advogados, solicitadores ou outros profissionais qualificados e inscritos em listas oficiais do Ministério da Justiça, tal como acontece com o Administrador de Insolvência. A escolha recai no juiz, que avalia a experiência e disponibilidade do profissional.

2.2. Critérios de Compatibilidade

O fiduciário não pode ter conflito de interesses com o devedor ou com credores relevantes (por exemplo, ser familiar próximo ou ter parte interessada na Massa Insolvente). Caso surja um impedimento, o fiduciário deve recusar ou o tribunal pode substituí-lo.

2.3. Motivos para Destituição

Se o fiduciário deixar de cumprir as funções, atuar com negligência ou parcialidade, o tribunal pode retirá-lo do processo e nomear outro profissional. Credores e o próprio devedor podem reclamar contra a conduta do fiduciário se suspeitarem de falhas graves ou parcialidade.


3. Fase de Cessão e Obrigações do Devedor

3.1. PERíodo de Cessão

É o intervalo que começa após a liquidação dos bens do devedor (ou aprovação de um Plano de Pagamentos) e pode durar até 5 anos. Durante esse tempo, o insolvente compromete-se a entregar ao fiduciário qualquer rendimento que exceda o mínimo de subsistência.

Renda Mensal e Salários

Se o devedor estiver empregado, parte do vencimento acima do limite estipulado para subsistência é canalizada para a massa, que o fiduciário administra e, posteriormente, distribui pelos credores. No caso de trabalhadores independentes, o fiduciário terá de verificar a faturação, retendo a parcela necessária.

3.2. Dever de Colaboração

O devedor deve:

  • Informar imediatamente o fiduciário sobre alterações de emprego ou de rendimentos.
  • Não ocultar bens, aplicações financeiras ou quaisquer valores que possam ser usados para pagar credores.
  • Evitar contrair novas dívidas injustificáveis.
  • Prestar contas quando solicitado, fornecendo extratos bancários ou recibos de pagamento.

Se houver violação grave dessas obrigações, o fiduciário informa o tribunal, podendo o pedido de exoneração ser recusado ou revertido.


4. Competências e Poderes do Fiduciário

4.1. Fiscalizar Rendimentos e Despesas

A principal função do fiduciário é recolher dados sobre os ganhos do devedor (ordenados, subsídios, heranças, prémios) e verificar se estes estão a ser corretamente canalizados para satisfazer, parcial ou totalmente, as dívidas ainda em aberto. As despesas supérfluas ou aquisições de bens de valor expressivo podem levantar suspeitas de má-fé.

Controlo de Movimentações Financeiras

O fiduciário pode solicitar ao devedor e a entidades bancárias o acesso a extratos de contas para confirmar que não há desvios ou tentativas de esconder rendimentos.

4.2. Recolher e Gerir Valores para Credores

Durante o PERíodo de cessão, o dinheiro excedente ao mínimo de subsistência é entregue ao fiduciário, que o vai acumulando. No final de cada PERíodo definido (por exemplo, mensal ou trimestral), o fiduciário faz a repartição pelos credores, respeitando a prioridade legal ou o Plano de Pagamentos aprovado.

4.3. Comunicar ao Tribunal

O fiduciário está obrigado a apresentar relatórios periódicos:

  • Relatório de Atividade: Explicando quanto o devedor entregou, como foi distribuído e se existem irregularidades.
  • Parecer sobre a Concessão da Exoneração: No termo do prazo de cessão, o fiduciário opina se o devedor cumpriu fielmente as obrigações ou não.

Se houver alguma infração, o fiduciário comunica de imediato ao juiz, que decide manter ou revogar a perspectiva de Exoneração do Passivo Restante.


5. Diferenças Entre Fiduciário e Administrador de Insolvência

5.1. Momentos Distintos de Atuação

  • Administrador de Insolvência: Atua desde a declaração de insolvência até a liquidação, focando-se na formação da Massa Insolvente, venda de bens e pagamento inicial aos credores.
  • Fiduciário: Entra em cena após a liquidação, vigiando o comportamento do devedor que almeja a exoneração final das dívidas.

5.2. Natureza da Intervenção

  • Administrador: Substitui o insolvente na gestão do património.
  • Fiduciário: Não gere o património em geral (já vendido ou distribuído), mas fiscaliza rendimentos futuros e o comportamento do devedor ao longo do PERíodo de cessão.

Ainda assim, em muitos processos, o mesmo profissional pode exercer ambas as funções, caso o tribunal assim determine.


6. Honorários do Fiduciário

6.1. Quem Paga?

Os honorários do fiduciário são considerados despesas do processo e normalmente saem dos valores apurados para a Massa Insolvente ou, em última instância, podem recair sobre o próprio devedor se não houver património suficiente. O tribunal fixa o montante, considerando a complexidade do caso e as tarefas envolvidas.

6.2. Critérios de Fixação

Podem ser aplicadas tabelas específicas para remunerar o fiduciário, semelhante ao que ocorre com o Administrador de Insolvência. Se a intervenção for extensa, envolvendo muitos rendimentos e avaliação de múltiplas fontes de receita, a remuneração tende a ser mais alta.

6.3. Responsabilidade Profissional

Assim como o Administrador de Insolvência, o fiduciário pode ser responsabilizado civil ou disciplinarmente se houver negligência, má-fé ou prejuízo aos interesses dos credores ou do devedor. Nesse sentido, deve atuar com imparcialidade e rigor, sob pena de responder perante o tribunal e a entidade reguladora (por exemplo, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores).


7. Situações Especiais Que Envolvem o Fiduciário

7.1. Aumento ou Perda de Rendimentos do Devedor

Se, durante o PERíodo de cessão, o devedor encontrar um emprego melhor ou receber heranças/prémios, essa nova renda deve ser comunicada ao fiduciário, que recalcula o montante a entregar aos credores. Se o devedor ficar desempregado ou sofrer uma redução drástica de salários, o fiduciário informa o tribunal para avaliar eventuais ajustes no Plano de Pagamentos.

7.2. Nova Dívida ou Contratação de Crédito

De modo geral, o devedor não deve contrair empréstimos relevantes enquanto pede exoneração, pois isso indica risco de incorrer em novo sobre-endividamento e prejudicar o processo. Se houver uma necessidade justificada (por exemplo, compra de carro para trabalhar), o fiduciário e o tribunal podem analisar o caso, mas a regra é evitar dívidas adicionais sem aprovação.

7.3. Transferência de Residência ou Emigração

O devedor que planeia mudar de país deve avisar o fiduciário, para que continue a fiscalizar rendimentos ou estabelecer mecanismos de controle. A emigração não extingue as obrigações para com os credores, tampouco interrompe o PERíodo de cessão.


8. Qual o Impacto da Fiscalização do Fiduciário na Exoneração do Passivo Restante

8.1. Parecer Final do Fiduciário

Concluído o PERíodo de cessão, o fiduciário emite um relatório final, declarando se o devedor:

  1. Respeitou todas as imposições legais.
  2. Declarou fielmente os rendimentos.
  3. Não incorreu em conduta dolosa ou fraudulentamente prejudicial aos credores.

Com base nesse parecer, o tribunal decide se concede em definitivo a Exoneração do Passivo Restante, libertando o devedor de qualquer saldo de dívida não pago.

8.2. Risco de Revogação da Exoneração

Caso, após o encerramento do processo ou mesmo durante o PERíodo de cessão, se descubra que o devedor escondeu bens ou praticou atos de má-fé, a exoneração pode ser revogada. Nesse cenário, o fiduciário tem a obrigação de informar o tribunal, que pode restabelecer as dívidas e permitir aos credores retomar as execuções.


9. Comparação com Outros Modelos Europeus

Em vários países europeus, existe uma figura equivalente ao fiduciário, embora possa receber outras designações (síndico, trustee). A lógica, porém, é semelhante: depois da insolvência decretada e da liquidação dos bens, há um PERíodo de “reabilitação” durante o qual se avalia se o devedor cumpre rigorosamente certas obrigações. O objetivo comum é conceder um “fresh start” a quem age de boa-fé, sem ficar para sempre marcado pelas dívidas.


10. Perguntas Frequentes sobre Fiduciário

1. O fiduciário pode mandar penhorar novos bens do devedor?
Não é a função principal. Contudo, se o devedor adquirir património que devesse ser comunicado e não o fizer, o fiduciário pode notificar o tribunal para averiguar possível ocultação de bens.

2. E se o devedor recusar colaborar com o fiduciário?
A falta de colaboração é motivo bastante para o tribunal recusar ou revogar a exoneração. O fiduciário, ao detectar conduta maliciosa, deve informar o juiz.

3. É obrigatória a designação de um fiduciário em todos os processos de insolvência pessoal?
A designação ocorre na fase de Exoneração do Passivo Restante. Se o devedor não requerer exoneração, não há PERíodo de cessão e, portanto, não se nomeia fiduciário.

4. Pode o fiduciário ser dispensado caso o devedor liquide todas as dívidas antes do final do PERíodo de cessão?
Se a totalidade das dívidas for saldada antecipadamente, não há necessidade de manter a fiscalização. O tribunal pode declarar o encerramento do processo e dispensar o fiduciário.

5. O fiduciário recebe informação sobre a vida pessoal do devedor?
O fiduciário foca-se em aspetos patrimoniais e rendimentos. A vida pessoal só interessa se tiver impacto financeiro (por exemplo, despesas extraordinárias). Ainda assim, há sempre o dever de confidencialidade.


11. Aspetos Práticos para o Devedor em Relação ao Fiduciário

  1. Transparência Total: O devedor deve comunicar prontamente mudanças de emprego, heranças, donativos ou rendas extra.
  2. Documentação Organizada: Extratos bancários, recibos de vencimento e qualquer prova de rendimentos devem estar facilmente acessíveis.
  3. Contacto Frequente: Em caso de dúvida, o devedor pode contatar o fiduciário para evitar erros ou omissões.
  4. Planeamento do Orçamento: Saber que parte do vencimento será retida ajuda a prevenir novas dívidas.

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top