PER (Processo Especial de Revitalização)

O PER (Processo Especial de Revitalização) é um mecanismo legal em Portugal que permite a empresas (e empresários em nome individual) em situação económica difícil, mas ainda viáveis, evitar a insolvência através de um acordo de recuperação com os credores. Criado pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o PER busca salvaguardar negócios e postos de trabalho, promovendo a revitalização de entidades que enfrentam dificuldades temporárias, mas que possam retomar a estabilidade financeira se forem reestruturadas as suas dívidas. A seguir, explicamos passo a passo o que é o PER, quem pode recorrer a este processo, as vantagens e desafios, e como se desenrola na prática.


PER (Processo Especial de Revitalização)

1. Enquadramento e Objetivo do PER

1.1. Conceito de Revitalização

A “revitalização” significa recuperar financeiramente uma empresa ou empresário que se encontra em risco de insolvência, mas cujo negócio ainda tem potencial de sobrevivência e crescimento. Em vez de liquidar o património, o PER oferece a oportunidade de renegociar passivos, prazos e juros, envolvendo todos os credores num só processo coordenado pelo tribunal.

1.2. Função Essencial

O PER visa preservar o tecido empresarial, evitando a “morte” de empresas que poderiam continuar a laborar se conseguissem adequar o serviço da dívida às receitas geradas. Com isso, protege-se não apenas o devedor, mas também fornecedores, trabalhadores e o Estado, que assim não perdem por completo a possibilidade de receber ou manter postos de trabalho.

1.3. Base Legal

Encontra-se regulado no CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), nos artigos que tratam dos processos especiais de revitalização. Surgiu como uma resposta legislativa à crise económico-financeira, simplificando e acelerando as soluções de reestruturação.


2. Quem Pode Recorrer ao PER?

2.1. Empresas e Empresários

O PER destina-se principalmente a:

  • Sociedades Comerciais (por quotas, anónimas, etc.) em dificuldade, mas com viabilidade económica.
  • Empresários em Nome Individual (ENI), desde que a sua atividade tenha dimensão comercial ou equiparada, enfrentando um risco real de insolvência.

2.2. Condição de Dificuldade Econômico-Financeira

A lei exige que a empresa não se encontre já insolvente de forma irreversível, mas sim numa fase de pré-insolvência ou de impossibilidade iminente de cumprir obrigações a curto prazo. Ou seja, deve demonstrar-se que, sem o PER, caminhará para a insolvência, mas com ele tem potencial de recuperação.

2.3. Exceções

Pessoas singulares (particulares, consumidores) que não exerçam atividade empresarial não costumam usar PER; para estes, existem outros instrumentos, como o PEAP ou a insolvência pessoal. O PER é moldado para realidades empresariais que necessitam de reestruturações complexas (dívidas laborais, locações de estabelecimentos, passivos fiscais, etc.).


3. Como se Inicia o Processo?

3.1. Petição em Tribunal

A abertura do PER é requerida pelo devedor, juntando documentos que comprovem a situação económica difícil, mas alegando que a empresa é viável (requisitos e provas de que, se reestruturadas dívidas, a atividade pode prosseguir). Em alternativa, credores que detêm pelo menos 10% dos créditos podem também pedir a abertura do PER, se entenderem que a revitalização é possível e vantajosa.

3.2. Nomeação de Administrador Judicial Provisório (AJP)

O tribunal designa um administrador judicial provisório para acompanhar e fiscalizar a atividade do devedor durante o processo. Esse AJP verifica o plano que será proposto, intermedeia negociações e relata eventuais irregularidades.

3.3. Publicidade e Suspensão de Execuções

Depois de admitido o PER, publicita-se no portal Citius que a empresa está em PER, e suspendem-se as ações executivas individuais. Isso evita que certos credores avancem isoladamente com Penhoras, protegendo o devedor para negociar globalmente.


4. Fase de Negociação e Plano de Recuperação

4.1. Recolha de Reclamações de Créditos

Durante um prazo legal (habitualmente curto, cerca de 20 dias), os credores devem reclamar os seus créditos, apresentando provas. O administrador judicial provisório elabora a lista provisória de credores e montantes.

4.2. Elaboração do Plano

O devedor, por si ou com assessoria (advogados, consultores financeiros), redige um plano de recuperação. Esse documento propõe medidas como:

  • Redução do capital em dívida (haircut).
  • Alargamento dos prazos de pagamento (reescadulamento).
  • Moratória temporária nas prestações.
  • Conversão de dívida em capital social, entre outras soluções.

4.3. Reunião de Credores

Convoca-se uma assembleia de credores para discutir e votar o plano. O administrador judicial provisório facilita o diálogo. Se os credores (que representem mais de metade dos créditos ou conforme percentagens legais) aprovarem, o plano segue para homologação pelo tribunal.

4.4. Proposta Alternativa?

Alguns credores podem apresentar contraplano, sugerindo outras formas de pagamento ou garantias. A votação final reflete quem detém maior volume de créditos. Minorias podem ficar vinculadas, se a maioria exigida aprovar o plano.


5. Homologação ou Falha do PER

5.1. Homologação Judicial

Se a maioria necessária aprovar o plano e o juiz não detectar ilegalidades ou atos contrários à boa-fé, homologa o acordo. Esse ato torna-o vinculativo para todos os credores abrangidos. As obrigações contratuais anteriores alteram-se segundo o que foi definido.

5.2. Consequências da Aprovação

  • Execuções Individuais Extintas: Os processos de penhora em curso acabam ou ajustam-se às novas condições.
  • Novo Calendário de Pagamentos: O devedor cumpre as novas prestações, podendo retomar ou continuar a atividade sem a pressão de múltiplos credores.
  • Eventual Perda de Garantias: Se o plano prevê reestruturações que implicam redução de hipotecas ou fianças, os credores devem acatar.

5.3. Fracasso do PER

Se os credores não aprovarem o plano (não se atinge a maioria legal) ou se existirem irregularidades, o PER fracassa. Em regra, segue-se a declaração de insolvência da empresa, partindo-se para liquidação do património ou para um outro tipo de processo, se aplicável.


6. Impacto da Aprovação no Funcionamento da Empresa

6.1. Continuidade do Negócio

Com o PER homologado, a empresa obtém um alívio imediato das pressões de cobrança. Mantém-se em atividade, preservando postos de trabalho e gerando receitas que sustentam o pagamento gradual dos credores.

6.2. Eventuais Restrições

O plano de recuperação pode impor restrições à gestão, nomeadamente:

  • Exigência de venda de alguns ativos.
  • Possibilidade de conversão de dívida em ações (alterando a estrutura societária).
  • Limitações em contrair novas dívidas sem consentimento dos credores.

6.3. Credores Convertidos em Sócios

Quando parte do acordo implica converter dívidas em capital, alguns credores tornam-se acionistas da empresa, participando na tomada de decisões ou até assumindo controlo parcial.


7. Vantagens e Desafios do PER

7.1. Vantagens

  1. Evita a Falência: Protege a empresa de liquidação, salvaguardando património e empregos.
  2. Suspende Execuções: Impede que credores avancem isoladamente com Penhoras e arrestos.
  3. Negociação Global: Todos os credores (fiscais, bancários, laborais) são chamados a participar, procurando uma solução unificada.
  4. Rapidez Relativa: O PER decorre em prazos mais céleres comparado a um processo de insolvência completo.

7.2. Desafios

  1. Exige Maioria de Credores: Se não houver adesão, o PER falha.
  2. Disponibilidade de Informações: O devedor tem de apresentar relatórios, demonstrando viabilidade real, sem omissões de passivos ou ativos.
  3. Possível Resistência: Alguns credores preferem execução ou falência, acreditando recuperar mais assim, sobretudo se tiverem garantias reais.
  4. Disciplina no Cumprimento: O sucesso pós-homologação requer organização da empresa para pagar no prazo.

8. Diferenças entre PER e Insolvência

AspetoPERInsolvência
ObjetivoRecuperação/Revitalização do devedorLiquidação do património (ou plano de insolvência, mas risco de fechar a empresa)
Situação do DevedorPré-insolvência, ainda há viabilidadeInsolvência declarada, passivo excede claramente o ativo
Gestão de BensDevedor mantém controlo, sob supervisão do AJPAdministrador de Insolvência pode assumir a gestão ou liquidar bens
Consequência se falharSegue-se a declaração de insolvênciaLiquidam-se bens; em caso de pessoa coletiva, extinção da sociedade
Público-AlvoEmpresas e ENI viáveisQualquer insolvente (empresas, pessoas singulares)
Temporalidade e ComplexidadeTem prazos mais curtos para aprovar ou reprovar o planoProcesso muitas vezes mais longo e oneroso

9. Situações Práticas de Utilização

9.1. Empresa Industrial em Dificuldades

Uma fábrica enfrenta queda de encomendas e dívidas fiscais e laborais em atraso, mas possui encomendas futuras e tecnologia competitiva. O PER pode permitir negociar prazos com Segurança Social, Finanças e bancos, salvando a unidade produtiva e mantendo empregos.

9.2. Restaurante Familiar

Com problemas de tesouraria, várias rendas em atraso e dívidas a fornecedores, mas boa clientela. Podendo reorganizar as dívidas e prazos de pagamento, o restaurante permanece aberto, evitando a insolvência que destruiria o negócio local.

9.3. Empresário em Nome Individual (ENI)

Um trabalhador por conta própria contraiu empréstimos para equipamento e dívidas a fornecedores, mas tem encomendas suficientes para pagar se conseguir alguns meses de carência. O PER permite travar Penhoras, renegociar saldos e recuperar a estabilidade.


10. Passo a Passo Simplificado

  1. Pedido de Abertura: O devedor (ou credor com 10% dos créditos) apresenta no tribunal o requerimento de PER, demonstrando potencial de viabilidade.
  2. Nomeação AJP: O juiz designa um administrador provisório para supervisionar.
  3. Notificação de Credores e Suspensão: Todas as ações executivas ficam suspensas, e os credores reclamam os créditos.
  4. Negociação e Reunião: O devedor propõe um plano de revitalização. Há discussão e votação com base em percentagem de créditos.
  5. Homologação: Se aprovado pela maioria exigida, o juiz homologa. Passa a vigorar o plano.
  6. Cumprimento: O devedor segue as novas regras (prazos, reduções, etc.). Credores recebem conforme o estipulado.
  7. Encerramento ou Insolvência: Se for cumprido, o PER é encerrado com sucesso. Se falhar, abre-se a insolvência.

11. Perguntas Frequentes (FAQ)

1. O PER aplica-se a pessoas singulares comuns (não empresárias)?
Não é o mais indicado. Para particulares sobre-endividados, existem o PEAP ou a própria insolvência pessoal. O PER está vocacionado a agentes económicos (sociedades ou empresários).

2. Qual a vantagem de um credor aprovar o PER?
Pode receber mais do que receberia numa insolvência (onde a liquidação muitas vezes rende pouco). Além disso, evita processos morosos e preserva a relação comercial com o devedor, se o plano for bem-sucedido.

3. Qual a maioria necessária para aprovar o plano?
Depende do enquadramento legal, mas em geral, é exigida uma maioria de créditos (por exemplo, mais de metade do valor total reclamado) ou, em certos casos, uma maioria qualificada. Se atingida, mesmo os credores que votaram contra ficam vinculados.

4. O que acontece se surgirem novos incumprimentos após a homologação?
Se o devedor não cumprir o acordo, os credores podem solicitar a declaração de insolvência. O PER perde efeito e volta-se ao risco de liquidação do património.

5. O tribunal pode recusar homologar o plano aprovado pelos credores?
Em princípio, se o plano cumpre a lei e não prejudica credores de forma ilegal ou abusiva, o tribunal homologa. Pode recusar se existirem cláusulas contrárias à ordem pública, fraudes ou violação de direitos indisponíveis.

6. Posso voltar a pedir PER se já tive um antes?
Sim, mas se houver uso abusivo ou reincidência contínua, credores e tribunal podem ficar reticentes quanto à viabilidade. Cada caso é analisado individualmente.

7. Se a empresa conseguir melhorar a situação antes de acabar o plano, pode liquidar dívidas mais cedo?
Isso dependerá do que o plano prevê. Se houver pagamento antecipado aceite pelos credores, pode liquidar mais cedo. O importante é respeitar os termos acordados ou negociar alterações com aprovação dos credores.

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